A institucionalização dos Estudos da Tradução no Brasil:o curso de Letras, Tradutores e Intérpretes do Unibero

Adauri Brezolin
UNIBERO
abrezolin@unibero.edu.br

Não podemos falar da institucionalização de cursos superiores de Tradução no Brasil, sem nos reportamos a um período bastante específico: o final da década de 60, período caracterizado por duas situações que não podem ser dissociadas, pelo menos, no Brasil.

A primeira situação, talvez mais global, refere-se à conscientização de que a formação profissional do tradutor também devesse passar pelos bancos da universidade, uma vez que era notória a necessidade de pessoal especificamente treinado para a prática de uma atividade milenar e cada vez mais solicitada, em virtude da crescente troca de informações técnicas, científicas, literárias, entre outras. A segunda situação, em parte decorrente da primeira, e, portanto, de um ponto de vista mais global também, criava a exigência de atender à demanda por profissionais qualificados na área da tradução, daí a necessidade de se criarem cursos que contemplassem tal formação. Além disso, não podemos dissociar essa segunda situação do fato de que o Brasil, apenas com os cursos oferecidos pelas universidades públicas, não conseguia atender à demanda por cursos universitários em geral, quiçá por cursos inexistentes.

Desse modo, surgem, nesse período, cursos em duas instituições privadas: o da PUC-Rio, em 1968, e do Unibero, em 1972.

Movido pelo ideal de seu principal mentor, o Prof. Dr. Júlio G. García Morejón, e de vários outros catedráticos, surge, assim, o Curso de Letras, Tradutores e Intérpretes, na antiga FIA, Faculdade Ibero-Americana de Letras e Ciências Humanas, hoje Unibero.

Desde a sua criação, o curso é integralizado em quatro anos. O diferencial do Unibero era a possibilidade de habilitação dupla: Bacharel em Tradução e Interpretação e Licenciatura Língua Estrangeira/Língua Portuguesa. Tal combinação, diferente em outros cursos análogos que viriam depois, permitia que o aluno, ao cumprir os quatro anos com ênfase em tradução e interpretação, optasse a partir do 3º. ou 4º. ano pela Licenciatura. O que ocorre na maioria dos Cursos de Letras é dar a opção de Tradução apenas nos últimos anos. A partir de 2000, quando as novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Letras estipulam que a Licenciatura deva ter uma estrutura autônoma, com identidade própria, e distinta do Bacharelado, o curso do Unibero passa, então, a oferecer apenas o Bacharelado em Tradução e Interpretação, integralizado nos mesmos quatro anos.

Com relação aos idiomas contemplados, até 1978 (quando se forma a última turma nesse formato), o aluno deveria escolher, além da língua portuguesa, outras duas línguas estrangeiras, com opções entre alemão, espanhol, francês, inglês ou italiano. Depois dessa época, a escolha restringia-se à língua portuguesa e a apenas uma língua estrangeira: alemão, espanhol ou inglês. Infelizmente, ao longo desses anos, em virtude de uma demanda bastante fraca, a opção em alemão foi eliminada e, hoje em dia, apenas as combinações inglês/português, no Curso de Tradução/Interpretação, e espanhol/português, no Curso de Licenciatura, são oferecidas.

O perfil do curso, assim como o de outros surgidos posteriormente, sempre se estabeleceu nos moldes dos Cursos de Letras, cujo enfoque mais marcante está nos aspectos filológico-lingüísticos, o que resulta na priorização do ensino de línguas. Isso não quer dizer que o ensino das línguas estrangeira e materna não deva ser adequadamente ministrado, não deve, porém, ser o fio condutor de um curso com objetivos distintos dos de Letras. Há de se lembrar que tem crescido a necessidade de enfatizar o ensino de línguas, nesses cursos, em decorrência do despreparo cada vez maior dos ingressantes. Foram–se os bons tempos em que a maioria dos alunos iniciantes era proficiente na língua estrangeira.

O Curso de Letras, Tradutores e Intérpretes do Unibero sempre adotou uma postura generalista do ensino de tradução e interpretação em que aspectos teóricos e práticos são eqüitativamente abordados. Sempre figuraram em sua grade disciplinas tais como: Teoria da Tradução e Interpretação, Práticas da Tradução (Jornalística, Jurídica, Técnico- Científica, Literária), Lingüística Aplicada, Estilística, entre outras e, mais recentemente, em virtude da atualização curricular e de necessidades impostas pelo mercado de trabalho, foram incluídas novas disciplinas, tais como: Terminologia Bilíngüe, que acoplada à Lingüística de Corpus, enfatiza a pesquisa na criação de produtos terminográficos e Tradução Assistida pelo Computador, que por meio do emprego de recursos da Internet (corpora eletrônicos, dicionários on-line, etc.) e programas de memória de tradução, tenta colocar o aluno mais próximo da prática diária de um tradutor profissional.

No início do curso, a grande maioria dos professores, como era de se esperar, era egressa dos Cursos de Letras e também lecionava em Cursos de Letras. Atualmente, muitos professores do Unibero são egressos dos próprios cursos de Tradução, tanto de graduação quanto de especialização. Quanto à titulação, durante a década de 70, muitos docentes ainda estavam em programas de mestrado ou de especialização. A grande corrida aos cursos de pós-gradução stricto sensu ocorre no final dos anos 80 e, mais marcadamente no início dos anos 90, quando se intensifica a busca pelo título de Mestre e de Doutor. Hoje em dia, cerca de 70% do corpo docente do Unibero é composto de mestres e doutores. Além da formação na área de tradução, alguns professores também são tradutores juramentados e possuem ampla experiência no mundo da tradução, interpretação e editoração, o que propicia, aos alunos, uma visão realista do mercado de trabalho.

Na tentativa de oferecer educação continuada não apenas a egressos da própria instituição, mas aos de outras também, o Unibero oferece Curso de Especialização Lato Sensu em Tradução Inglês-Português, programa realizado duas vezes por semana ao longo de três semestres.

No atinente à pesquisa, ela ainda se mostra modesta se comparada à grande e sistemática produção das grandes universidades; no entanto, vários professores desenvolvem projetos de investigação científica, individualmente ou com grupos de alunos. Como exigência dos diferentes semestres, alunos e professores também se envolvem em Trabalhos Interdisciplinares e Trabalhos de Conclusão de Curso. Os resultados dessas pesquisas são apresentados em congressos e publicados em revistas da área. Além disso, estão disponibilizados, no NETRA (Núcleo Experimental de Tradução), glossários, das mais variadas áreas, elaborados pelos alunos ao longo dessas três décadas de existência do curso e, estão, nas bibliotecas, monografias apresentadas pelos alunos do Curso de Especialização.

Com relação a ações que propiciem a complementação da formação de seus alunos e a veiculação de pesquisa, o Unibero conta, hoje, com Tradução & Comunicação, revista pioneira na área de tradução no Brasil, que foi publicada pela primeira vez em 1986. Adormecida por alguns anos, foi relançada em 1998, e já está em seu décimo quinto número. Docentes e discentes contam também com a Revista Eletrônica Unibero de Produção Científica, na qual são publicados artigos provenientes dos resultados de trabalhos dos vários cursos da instituição. Além disso, o Unibero promove, a cada três anos, o CIATI, Congresso Ibero-Americano de Tradução e Interpretação, que congrega trabalhos de tradução e interpretação de alunos, professores e profissionais do Brasil e de diversos países.

O Unibero faz acompanhamento dos egressos e detecta que, infelizmente, o mercado de trabalho de tradução não consegue absorver a maioria desses alunos, porém, muitos atuam em grandes escritórios de tradução, em multinacionais, em editoras ou ainda como autônomos. Há de se salientar que, em virtude da ênfase no ensino de língua estrangeira, a grande maioria dos alunos acaba ingressando no magistério.

Embora haja muitos aspectos que precisem ser reavaliados e, possivelmente, melhorados, o Unibero sempre esteve atento às mudanças trazidas pelos avanços teóricos, tecnológicos e mercadológicos, investindo, assim: em seu acervo de obras ligadas à tradução e interpretação; em seus laboratórios de informática e de línguas, bem como o de interpretação, recentemente remodelado e equipado com tecnologia de ponta.